Antes, a figura central era o pastor, e ao seu redor, um rebanho de fiéis, todos vigilantes e submissos à obediência divina. A vida era pautada por um código rigoroso: morria-se ou matava-se, comia-se ou jejuava-se, tudo em estrita conformidade com as regras pregadas, em nome da moral inquestionável e dos ensinamentos celestiais. O temor a Deus ditava cada passo, cada pensamento, e a salvação era a recompensa por uma vida de conformidade e sacrifício. A individualidade era suprimida em prol da coletividade, da identidade do rebanho, e qualquer desvio era prontamente condenado como heresia, uma ameaça à ordem estabelecida.
Hoje, a paisagem ideológica mudou, mas a dinâmica fundamental persistiu, apenas com novas roupagens. A fé religiosa, outrora a força motriz, cedeu seu lugar a um patriotismo aleijado, doentio, que se manifesta em patriotas fervorosos, mas tristemente incapazes de gerir a informação de forma coerente e crítica. A capacidade de discernimento foi atrofiada, substituída por uma aceitação acrítica de narrativas simplistas e polarizadoras. Estes novos "fiéis" do patriotismo, munidos de convicções inabaláveis, são, no fundo, almas carregadas pela frustração de desejos não realizados, sejam eles materiais, como a prosperidade financeira, ou emocionais, como o reconhecimento e a valorização.
É um sentimento latente de fracasso, profundamente íntimo e doloroso, que, à revelia da consciência, busca um refúgio e uma compensação na suposta grandeza da pátria. Como um manto protetor, a imagem de uma nação forte e gloriosa serve para encobrir as próprias fragilidades e insuficiências. Onde virtudes pessoais são inexistentes ou insuficientes para construir uma autoestima sólida, o conforto é encontrado na projeção de uma pátria grande, dominadora e rica. A autoimagem é elevada não por méritos próprios, mas por uma associação identitária com algo grandioso e poderoso.
Nesse cenário, o patriota, que muitas vezes ostenta também o título elegante de "conservador", passa a pertencer a algo com virtudes intrínsecas, mesmo que sua contribuição para essa "coisa" rica e grandiosa tenha sido, na realidade, deficitária desde sempre. A sensação de pertencimento a algo superior e imaculado confere um verniz de dignidade e propósito, camuflando a própria inação ou os próprios erros. Bendita seja a sorte de ser filho da pátria-mãe virtuosa, pois em seu manto sagrado escondem-se todas as suas próprias moléstias morais e suas falhas de caráter.
E, num mecanismo de defesa psicológico, todas essas imperfeições internas, todas as frustrações e ressentimentos, são projetadas nos "inimigos da pátria". Estes inimigos são construídos, muitas vezes de forma artificial, para servir como bodes expiatórios, desviando a atenção das verdadeiras causas do mal-estar individual e social. Sejam eles grupos minoritários, ideologias opostas ou nações estrangeiras, os "inimigos" são demonizados e atacados, permitindo que o patriota se sinta purificado e justificado em sua suposta luta por um bem maior. A crítica e a autocrítica são substituídas pela xenofobia, pelo preconceito e pela intolerância, tudo em nome de uma pátria idealizada que, ironicamente, é muitas vezes distante da realidade vivida por seus próprios cidadãos.
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